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Violência doméstica: acórdãos polémicos no Conselho da Magistratura

25/10/2017 09:55
Violência doméstica: acórdãos polémicos no Conselho da Magistratura

Elizabete Brasil, jurista e presidente da associação UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), confirmou que entre as organizações que estão a examinar os acórdãos estão a APAV, a Associação de Mulheres contra a Violência, a Plataforma Portuguesa para o Direito das Mulheres, e a associação Capazes, avança o 'Diário de Notícias'.

O desembargador Neto de Moura vai ficar conhecido como o juiz das citações bíblicas em processos por violência doméstica. A fúria castigadora do Antigo Testamento é aplicada pelo desembargador em longos excertos referentes às mulheres adúlteras. Os agressores acabam desculpabilizados ou até compreendidos pelo juiz por agredirem a mulher que os trai. 

No acórdão que criou uma onda de indignação e de protesto em Portugal, de 11 de Outubro (assinado também pela juíza Maria Luísa Arantes), o desembargador desvaloriza a gravidade dos actos de um agressor que bateu na mulher de quem estava separado com uma moca de pregos - e com a ajuda do ex-amante desta. 
Essa violência, justificou o juiz, aconteceu 'num contexto de adultério praticado pela assistente', o que constitui 'um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem'. Vai até ao ponto de lembrar que na Bíblia a mulher adúltera era punida com a morte. 
Num outro acórdão, de Junho de 2016, Neto de Moura anulou uma sentença de primeira instância de pena suspensa de 2 anos e 4 meses por violência doméstica a um agressor depois de ter questionado a 'fiabilidade' do testemunho da vítima porque a mulher que comete adultério é 'falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral'.
Num acórdão de 26 de Outubro do ano passado, o desembargador (que assina com a colega Ana Bacelar) decidiu revogar a medida urgente de afastamento da residência a um agressor, porque - entre outros argumentos - 'os insultos seriam recíprocos e a denunciante até já teria manifestado desejar a morte do arguido'. 
Há também uma decisão sua na Relação de Lisboa, de 15 de Janeiro de 2013, em que baixou o crime de violência doméstica pelo qual o agressor estava indiciado. 'O facto de o arguido ter atingido a assistente, com um murro, no nariz que ficou 'ligeiramente negro de lado' e de a ter mordido na mão (sem lesões aparentes) constitui uma simples ofensa à integridade física que está longe de poder considerar-se uma conduta maltratante susceptível de configurar 'violência domestica'. A mulher estava com o filho bebé de nove dias ao colo mas isso, segundo o juiz, 'não tem a gravidade bastante'.
Nas redes sociais foram várias as manifestações de desagrado, até vindas da classe judicial. A desembargadora Adelina Barradas de Oliveira publicou o acórdão na sua página de Facebook e ainda um post com o excerto da Bíblia em que Jesus se insurge contra os que queriam apedrejar Maria Madalena e lhes diz: 'Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro a atirar a pedra contra ela'.
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) emitiu um comunicado em que se demarca da polémica em torno do acórdão e sublinha que 'nem todas as proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes' em sentenças assumem relevância disciplinar, cabendo ao Conselho Plenário pronunciar-se sobre tal matéria (mas não indica quando o fará).
O bastonário dos Advogados entende que 'a argumentação do juiz é censurável e lamentável', e que o CSM pode e deve agir para além do foro disciplinar, mudando o juiz de secção, por exemplo. 'Há uma coisa que não pode ser descurada pelo Conselho: é muito importante ter no Tribunal da Relação juízes com uma compreensão especializada nesta matéria. Neste caso, o que vemos é uma desconformidade entre o que é o pensamento do juiz e o pensar da comunidade e a legislação sufragada pela Assembleia da República, o parlamento, e pelo Governo' portugueses.
(AIM)