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Batalha difícil de vencer mas não impossível

06/04/2016 08:02
Batalha difícil de vencer mas não impossível

Tenga, uma das localidades do distrito da Moamba, ficou para a história na memória de Isabel Chaúque, 52 anos de idade, actualmente internada no Hospital Geral da Machava.

Actualmente importa-lhe apenas lutar pela vida e fixar-se em Maputo, onde com a ajuda de alguns membros da sua família encontrará formas de vencer a dura batalha contra a tuberculose.

Debilitada, dado o estado avançado da doença que a apoquenta há cerca de dois meses, tem a consciência do que acontece em seu redor, embora nalgum momento tenha estado em coma. Sabe que em sua casa ficou apenas o seu filho mais novo, de 14 anos de idade, que aprendeu a estar só para o que der e vier. “Ele sabe que estou internada e já esteve cá uma vez para me visitar”, conta.

Disse-nos que quando o seu estado de saúde se complicou viajou para Matola, bairro da Liberdade, em busca de solução no centro de saúde local. Na altura, hospedou-se em casa de familiares no bairro da Machava-Socimol. Quando lhe foi diagnosticada a tuberculose e marcado o início do tratamento, Isabel já não estava em condições de palmilhar a estrada até ao centro de saúde.

“Não estou bem ainda, mas sinto uma ligeira recuperação. Contudo, o facto de não ter quem me ajude a andar preocupa-me porque estou quase sempre sentada depois de ter ficado muito tempo deitada. Isso é cansativo”, disse.

Isabel vivia antes da doença com dois filhos do sexo masculino, porque os do sexo feminino estão já nos respectivos lares. Dos dois, o mais velho rumou para a África do Sul e as raparigas estão já nos respectivos lares. No tratamento, ela conta com o apoio moral da sua irmã e espera recuperar-se.

A esperança da sua recuperação vem igualmente dos médicos que acompanham a sua evolução que apelam igualmente a um maior envolvimento da família, no lugar de segregação como nalguns casos acontece.

“O envolvimento familiar é determinante para a eficácia da cura. Ele não depende somente da parte clínica, sendo que apelamos aos familiares de doentes a colaborarem e evitarem casos de abandono que, esporadicamente, têm acontecido, com os doentes relegados à responsabilidade da Acção Social”, disse Manuel Garrancho, médico generalista afecto ao Hospital Geral da Machava.

A experiência de Isabel repete-se entre muitos pacientes porque Machava é um hospital de referência para onde vão doentes de outras unidades hospitalares.

NÃO É UMA ÁRVORE DE NATAL!

Não se trata de uma árvore de Natal, mas sim algo que se pode apelidar árvore da vida, pois nela estão colados e quantificados diferentes medicamentos que um doente padecendo de tuberculose resistente a drogas deve tomar até ao fim do tratamento.

A tuberculose resistente a drogas é, segundo fonte da Saúde, consequência do abandono do tratamento da tuberculose sensível. Infelizmente, nos últimos tempos é cada vez maior a tendência do surgimento de novos casos.

São cerca de 14 mil comprimidos de diferentes tipos que o paciente ingere durante 24 meses, período necessário para uma cura efectiva e cápsulas de injecções que fazem parte do pacote de tratamento. O tipo dos medicamentos difere em função da reacção do doente ao medicamento e podem ser alterados várias vezes.

Com uma fase intensiva que varia entre seis e oito meses de injecções diárias no centro de Saúde, o paciente toma várias carteiras de medicamentos. Depois segue-se a fase de manutenção até aos 24 meses.    

Lucas Molfino, chefe da missão dos Médicos Sem Fronteira-Suíça em Moçambique, fala da complexidade da doença sob ponto de vista do diagnóstico que é feito também em função das exigências do bacilo para além das exigências em termos laboratoriais, pois detectam-se novas formas complexas da evolução da doença.

“Durante a toma, o doente pode ter reacções colaterais e tem o grande desafio de evitar contaminar o resto da família. Há também o elevado absentismo ou perda de emprego com as idas constantes ao centro de Saúde e por longo”, disse.

PRIORIDADE É EXPANDIR CUIDADOS

Desde que a tuberculose se tornou uma emergência em Moçambique, a prioridade do Ministério da Saúde passou a ser a expansão do diagnóstico e tratamento de maior número de pacientes.

Segundo a Ministra da Saúde, Nazira Abdula, a erradicação da doença é igualmente possível bastando para tal o envolvimento de todas as forças vivas da sociedade.

Assim, por ocasião do Dia Mundial da Luta contra a Tuberculose, o MISAU juntou-se aos legisladores, promovendo um seminário sobre a situação da tuberculose em Moçambique e seu impacto socioeconómico.

O mote é a busca de soluções para o problema, ao mais alto nível e nas mais diversas frentes, numa altura em que a tuberculose resistente a drogas está a comprometer o processo da erradicação da doença, com o surgimento de novas reacções ao longo do tratamento, o que força a mudança de uma linha para a outra e as implicações daí decorrentes.

Só no ano passado foram notificados 646 novos casos, dos quais apenas 40 por cento foram seguidos. Segundo o MISAU, o cenário é preocupante, tendo em conta que a doença é altamente transmissível e letal.

Face a esta realidade, Moçambique passou a fazer parte da lista dos 30 países mais afectados pela doença. Concorre para esta posição o abandono ao tratamento que abre espaço para uma maior probabilidade de contágio, assim como de evolução para um tipo de tuberculose mais grave e que o país não tem capacidade de tratar.

Completar o tratamento de um doente com tuberculose sensível (a considerada normal) custa mais ou menos cem dólares norte-americanos, cerca de cinco mil meticais e com a tuberculose resistente a drogas, pode ascender aos dois mil, o equivalente a cerca de cem mil meticais, no câmbio de 50 meticais.

Estes dados são por si um indicador de que é preciso assegurar a cura para que a doença não evolua para a resistência, pois, assim sendo, mais oneroso será para o Estado e complicado para o doente que ficará mais tempo debilitado e sem poder contribuir para o país.

O fardo para o sector da Saúde torna-se mais pesado quando a doença é associada ao vírus do HIV/sida.

AUMENTAM LABORATÓRIOS MAS AINDA HÁ MUITO QUE FAZER

Entretanto, a par do crescimento do número de doentes e da ainda baixa cobertura territorial, existem iniciativas levadas a cabo pelo MISAU, através do Programa Nacional da Tuberculose que consistem na alocação de meios de diagnóstico a mais pontos do país.

Soubemos que se num passado não distante o país contava com 300 laboratórios, actualmente o número destes ascendeu para perto de 400.

Dados actualizados indicam para um cumulativo de 1300 casos de tuberculose resistente a drogas em seguimento, dos quais 646 foram diagnosticados no ano passado. O sul do país e as províncias do centro, designadamente Sofala e Zambézia, contribuem com maior número de casos.

Os principais focos estão nas províncias onde se reporta também uma alta carga de HIV e com elevadas taxas da população, tal é o caso da província da Zambézia.

Os próximos passos consistem no ajustamento das estratégias do Programa Nacional com a nova estratégia da Organização Mundial da Saúde (OMS), de eliminar a tuberculose até 2035, o que implica ter tratado 90 por cento de todos os casos esperados.

A celebração do Dia Mundial contra a Tuberculose consistiu, para além do seminário com parlamentares, uma ida ao Hospital de referência no tratamento da Tuberculose, o Hospital Geral da Machava (HGM).

Apesar de lidar com a infecção altamente contagiosa e com pacientes em estado grave, os profissionais daquela unidade hospitalar transmitiram espírito de alegria e demonstraram algum dinamismo na actividade que exercem, de ajudar a restaurar a saúde dos enfermos. 

Fonte: Jornal Notícias